segunda-feira, 16 de setembro de 2013

As crónicas de um Nanas (Capítulo 2)

Capítulo 2

Estava uma manhã fresca com o sol um pouco envergonhado. O João acordou, abriu os olhinhos e olhou em redor. Ainda estava um pouco escuro no quarto. As persianas corridas até abaixo só deixavam passar uma leve claridade onde se adivinhava que o dia começara a espreguiçar-se.
Pelo intercomunicador a mamã do João percebeu que este acordara. Subiu as escadas, abriu a porta do quarto e chamou baixinho em tom de canção: "João, amor da mamã! Bom dia!"
O João respondeu com um bebenhês que queria dizer: "Colinho mamã"!
A mamã aproximou-se da caminha e pegou-o ao colo. Houve beijos, xi-corações, cóceguinhas, risos, e por fim olhares. Olharam-se durante uns momentos até o João abrir um sorriso maior que o mundo e recomeçarem novamente os beijinhos e os xi-corações.
A mamã vestiu o João e trouxe-o para baixo para lhe dar a papa. Nesse momento a campainha de casa tocou.
Era o senhor dos correios. Trazia uma encomenda. O Nanas tinha chegado!
" João - disse a mamã - o teu Nanas chegou!!! Pelo tom de alegria da voz da mamã, o João abriu mais olhinhos e palrou alguns sons mostrando a sua alegria!
A mamã abriu a porta e olhou para a encomenda que o senhor dos correios trazia na mão.
A caixa vinha amassada, rasgada e colada com fita-adesiva! A mamã ficou por momentos a olhá-la e por fim estendeu a mão. Ela olhou para o senhor que simplesmente esboçou um tímido sorriso e encolheu os ombros como para se justificar que não tinha nada a ver com o sucedido. O João deixara de sorrir perante o rosto sério que a mamã apresentava. A mamã entrou na sala de jantar, sentou o João na cadeirinha e sentou-se finalmente sem abrir a caixa. Olhava incrédula passando os olhos para o remetente "Mon Rêve". Não queria acreditar. Tinha tanta expectativa quanto à chegada do Nanas! Afinal a Mon Rêve era conhecida pelo seu extremo cuidado em tudo o que fazia. Bem, quanto à caixa não havia muito mais a dizer. Chegava o momento de abri-la. A mamã do João começou a procurar onde a fita-adesiva acabara para começar a descolá-la. Era fita-adesiva por todos os lados! Não era fácil encontrar o fio à meada! Por fim lá começou a descolar os primeiros centímetros de fita, e mais fita...e mais fita. Quando terminou restava apenas abrir um dos encaixes da caixa para finalmente libertar o Nanas. E assim fez. E se o espanto tinha começado na porta de entrada, agora a decepção tinha invadido todos os seus sentidos.
Um Nanas que mais parecia um pária! Sujo, amassado, sem o pêlo fofo prometido no site da Mon Rêve e ... onde está o nome do João gravado no bracinho? Este nem braços tinha! Em vez de braços tinha uns nós de cada lado feitos com o tecido que faziam a vez de mãozinhas e pezinhos. "Não, não pode ser, só podem estar a brincar" - disse a mamã do João com o rosto já um tanto ruborizado. "Não foi isto que eu paguei"! e levantando-se da cadeira atirou o Nanas para cima da mesa para junto da caixa desfeita.
Tinha ido buscar o telefone e o número de telefone da Mon Rêve.
O Nanas estava desolado! Toda a situação no aeroporto, mais o facto de ter sido separado dos outros Nanas iguais a ele seus amigos, não suportou mais e deixou escapar uma lágrima.
Sentado à mesa o João olhou para o Nanas desde o momento em que a mamã o tinha tirado da caixa. Tinha-o desejado e querido desde esse momento. Agora estava na sua frente todo só para ele. Esticando a mãozinha e depois o bracinho, debruçou todo o corpo para o apanhar. Por fim conseguiu agarrar uma das pontas feita com um nó. Era dele e só para ele! O Nanas, que até a este momento só a muito custo segurava as lágrimas que teimavam em querer sair, vendo perdido todo o sentido para o qual tinha sido criado, olhou a medo para o João. O João era muito diferente dos meninos que ele tinha visto na fotografia afixada no Atelier onde tinha nascido. A Mon Rêve tinha uma fotografia do orfanato para onde seriam enviados estes Nanas. Ela possuía um arquivo gigante com fotografias e moradas de todos os meninos e meninas do mundo que tinham recebido um Nanas.
Todos os Nanas quando nascem sabem para onde vão. Alguns sabem apenas o país, outros têm a oportunidade de conhecer por fotografia o menino ou menina que os espera, e por esse motivo todos eles possuem particularidades que os tornam tão únicos.
Os meninos da fotografia do Atelier eram todos muito magros, com olhar triste...bem diferentes do menino que lhe sorria agora! O João conquistou de imediato o coração do Nanas! As lágrimas secaram e o Nanas pôde finalmente sorrir.
A mamã do João chegou junto da mesa com o telefone na mão, sentou-se e começou a marcar o número da fábrica dos Nanas. Enquanto esperava ser atendida, olhou para o João e não pôde deixar de ver o brilho de felicidade nos seus olhinhos. Até o Nanas lhe parecia diferente!
"Não, João, este Nanas não é o teu!" - disse a mamã. O menino olhou-a e sorriu mostrando todos os seus dentinhos! A mamã repetiu: " Esse não é o teu Nanas Joãozinho!" E deste vez o menino entendeu que o Nanas lhe iria ser tirado. Franziu o queixinho, a testa e antes que a mamã pudesse fazer algo para evitar, o João já estava a chorar. Do outro lado da linha alguém atendeu: "Mon Rêve, bonjour!" - disse uma voz suave e amigável. Mas a mamã não ia poder responder. O João já chorava a plenos pulmões agarrado ao Nanas. A mamã desligou o telefone. "João, então? Anda ao colinho da mamã!"
Mas nada consolava o pequenote! "Pronto João, a mamã vai dar outro Nanas, está bem?" Mas de uma forma incompreensível o João chorava mais e mais! Parecia perceber perfeitamente que o Nanas lhe seria tirado, mesmo que fosse para vir outro!
Passaram-se uns momentos e o João acalmou. O Nanas mantinha-se preso à mãozinha do João que insistia em não o largar!
A noite chegou e o João, depois do banhinho tomado e a papinha na barriga (estando o Nanas sempre ao seu alcance), estava pronto para dormir. A mamã deitou-o, o papá deu o beijo de boa-noite e a mamã preparou-se para tirar o Nanas da mão do João. Mas assim que a mamã puxou discretamente o Nanas por uma das suas pontas, o João apertou-o mais ainda com a mãozinha e esboçou a capacidade inata que as crianças possuem de começar a chorar sem precisar de aquecimento. "Muito bem João", disse a mamã já um pouco chateada com a insistência, "ficas mais um bocadinho com o Nanas, mas ele não vai dormir na tua cama! Ele está todo sujo e além disso é para voltar para trás!" Depois aconchegou o lençol da cama ao corpo do João e desligou a luz.
O Nanas nem queria acreditar. O João era tudo o que ele podia desejar. Um menino adorável que o amava desde o primeiro momento! Tudo isto só podia ser um sonho. Um sonho que começara com um pesadelo! O Nanas podia ver na pouca claridade do quarto, o brilho dos olhinhos do João a olharem para ele. Oh como ele começava a gostar do João! Não podia deixá-lo mais! Estava a gostar demasiado dele! Mas como iriam poder ficar juntos?
E o Nanas do João, onde estaria? E principalmente, COMO estaria?

No próximo capítulo a saga continua. Não percam, é já na próxima sexta!

1 comentário:

  1. Não fosses tão boa e imaginativa a escrever, não sei se te perdoava ... mas até eu estou com vontade de dar uma sostra na mãe do João pela incapacidade de compreender o amor à primeira vista :)
    Adorei simplesmente ... já o prefiro ao outro Nanas que vinha personalizado! - que diacho, afinal são só duas personagens de ficção!
    O segredo és tu, mana :)

    Quero mais e livra-te de na sexta não ter o seguimento da saga.

    Muitos parabéns!!
    (apenas um à parte ... eu sei que é ficção mas CORREIOS A CHEGAR AQUELA HORA???? - must be kidding me :P ...)

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