terça-feira, 24 de setembro de 2013

As crónicas de um Nanas (Capítulo 3)

Capítulo 3
 
A muitos quilómetros de distância do quarto do João, começava a grande viagem do seu verdadeiro Nanas. Dentro da caixa apertado contra outros Nanas, lá ia ele, destroçado com tudo o que lhe sucedera. Os outros Nanas não comentavam o sucedido, mas lamentavam profundamente a troca que mudara o destino dos dois.
O Nanas não conseguia deixar de olhar para o braço bordado com o nome "João". Tinha tanto significado para ele este nome a azul escuro. A partir de agora seria apenas um simples bordado sem sentido... Quantas vezes tinha imaginado o encontro com o menino que lhe imprimira na pele, ou melhor no pêlo, a sua identidade e que lhe dera vida. Quantas vezes tinha imaginado as brincadeiras e os longos passeios pelo parque... e aquele abraço apertado... e um sorriso capaz de fazer o mundo parar! 
Com olhos cheios de água e o coração despedaçado, continuou viagem rumo ao desconhecido.
 
No quarto do João tudo estava em silêncio. O Nanas finalmente tinha sido vencido pelo cansaço e adormecera! Sonhou então que estava no aeroporto, na grande sala das bagagens. Estava preso debaixo de uma grande caixa tal como acontecera! Desesperado tentava soltar-se em vão. De repente viu todos os Nanas a entrarem em fila no avião, e o funcionário responsável pela troca do dia anterior a olhar para ele com um sorriso maléfico. Assustado tentou novamente soltar-se e desta vez quando olhou para o avião este possuía uns enormes e terríveis dentes com que devorava todos os Nanas! Um grito surdo ficou preso na sua garganta! E acordou! Que terrível pesadelo! Meio atordoado e mal acordado, tentou perceber onde estava até que sentiu a calma respiração do João ao seu lado. Estava a salvo! Aninhou-se o mais que pôde para junto dele. Que sensação maravilhosa poder estar ali, seguro e quente! Então lembrou-se do Nanas a quem ele ocupava o lugar. Como estaria ele? Mas por mais que lamentasse a sua sorte, não queria deixar o João por nada!
De repente lembrou-se do que a mamã do João dissera: "O Nanas é para ir embora!" Neste momento o pesadelo pareceu-lhe menos assustador do que a realidade. Assustava-o mais separar-se do João, do que dez aviões com dentes!
 
A manhã chegou e com ela a mamã do João. A porta entreaberta abriu-se totalmente e ouviu-se a voz doce da mamã a chamar: "João... acorda bebé!"
A voz mais doce e segura  para o João, era para o Nanas a voz mais temida. Tinha vontade de se esconder, tornar-se tão pequeno aos olhos da mamã de maneira que esta fosse incapaz de o ver. Queria ser visível apenas para o João.
Quando a mamã se aproximou da cama, o João estava agarrado ao Nanas. Mas o Nanas tremia de medo.
A mamã pegou no João ainda ensonado, com os olhinhos pesados e levou-o para baixo para lhe dar a papa.
O Nanas tinha ficado para trás! O seu maior pesadelo acabara de acontecer! Seriam separados para sempre. O João esquecê-lo-ia e outro ocuparia o seu lugar!
O Nanas ficou a olhar longamente para o lugar vazio que o corpo do João deixara! O seu amiguinho tinha ido embora. Apenas restava o calor.
Assim que sentiu a papa na boca, o João entreabriu os olhinhos e olhou para a mamã. Hoje era um dia muito especial: o João ia pela primeira vez para o infantário! Claro que este primeiro dia era apenas para visitar e ver as outras crianças. A mamã ficaria com ele o tempo todo e só no dia seguinte o João ficaria mais tempo e sozinho. Daí a importância do Nanas: ele seria o porto de abrigo do João especialmente na hora do soninho em que ele sentiria mais a falta da mamã.
Mas a mamã não queria este Nanas. Ele não estava à altura do Nanas que ela encomendara.
Como não se podiam atrasar, a mamã do João decidiu enviar o Nanas de volta à Mon Rêve só depois de virem do infantário. Até porque não queria correr o risco do João o ver e ser o choro desenfreado do dia anterior. Como pudera ele gostar tanto deste Nanas?

Como este Nanas era um Nanas pensado para ter como destino um menino num orfanato, ele não seria de um só menino para sempre. Ele iria passar de menino para menino, tal como uma camisola passa do irmão mais velho para o mais novo, mas no caso do Nanas multiplicado por muitos irmãos! E num orfanato, especialmente  como este que não possuía todas as condições desejadas, ele não seria lavado tantas vezes como seria recomendado, apesar de se sujar mais do que o que seria esperado. Assim sendo, o Nanas era castanho escuro e não bege clarinho como o Nanas do João e também não possuia um pêlo fofo e brilhante. O seu tecido era mais resistente e por isso menos macio...enfim, se bem que não se possa dizer que fosse de uma "linha inferior", era no mínimo menos atraente! Mas o João tinha adorado!
"Que chatice", pensou a mamã. Não fosse ela ter tido tanta expectativa no Nanas,  e este iria cumprir perfeitamente a sua função! Mas agora era tempo de agir. Ela tinha o de mandar de volta!
O João comeu a papa, a mamã preparou-o, mas o João mostrava uma cara séria, sem sorrisos, mesmo quando a mamã lhe sorria ou brincava com ele! O João olhava para todo o lado como se procurasse alguma coisa. "Estará doente?", pensou a mamã. "Ontem estava tão bem!"
A mamã terminou de preparar o João e lá saíram os dois.
Pelo caminho a mamã brincou com o João, cantou as canções que ele tanto gostava, mas o João não mostrava melhoras!

Em casa do João vive a mamã, o papá, o João, ... e o Duks! O Duks é o gato, ou para  explicar melhor a posição privilegiada do Duks na família, ele é o "irmão mais velho do João" como diz a mamã!
Assim que a mamã bateu a porta de casa, o Duks espreguiçou-se e foi fazer o que sempre faz quando tem a casa por sua conta: correr todos os quartos em busca de algo que lhe interesse! Pode ser uma camisola da mamã ou do papá, um brinquedo fofo do João... qualquer coisa que na sua cabeça  de gato lhe diga que vale a pena arriscar um açoite (caso seja apanhado)!
Foi ao quarto da mamã - tudo arrumado - , entrou no quarto do João, saltou para cima da cama e ... "quem és tu?", pensou o Duks ao ver o Nanas! "És novo por aqui!" e aproximou-se para o cheirar! 
Antes de qualquer Nanas ser enviado ao seu destinatário, passa por treinos (alguns até bastante intensivos como verão mais à frente). Entre muitas coisas que têm de aprender, os Nanas aprendem algumas regras que lhes servirão para sobreviverem nos mais diversos ambientes. E uma dessas regras, das mais importantes, é manterem-se longe dos ferozes bichanos de quatro patas!
Se tal fosse possível, dir-se-ia que o Nanas perdeu a cor assim que viu o Duks aproximar-se.
Estava perdido! Todos os seus pesadelos se tinham unido para terminarem com a sua breve existência!
 
Que irá acontecer aos nossos pequenos heróis?  Não percam o próximo capítulo das crónicas dos Nanas! Todas as sextas-feiras! Até lá! ^.^

1 comentário:

  1. «Querida madrinha,

    a mamã prometeu que um destes dias me vai ler de fio a pavio todas as crónicas do Nanas que estás a escrever. Por enquanto apenas me conta por palavras dela com muitos beijinhos e sorrisos à mistura (diz ela que eu compreendo melhor assim a história).

    Diz ela que as tuas crónicas são a novela semanal mais deliciosamente escrita para mamãs e coisinhas ternurentas como eu. Isso eu não sei porque fico-me pelas aventuras da selva sobre rodas, com o meu amigo carrifante e a doutora brinquedos que tem uma ovelhinha chata que passa a vida a querer dar abraços (parece algumas meninas pegajosas lá da minha escolinha que não compreendem o quanto isso perturba um rapaz com uma agenda cheia de coisas por inventar, como eu).
    Por agora que já tenho o meu banhinho tomado e a papinha na barriguita, vou agarrar o meu Nanas, fazer uma festinha no Duckx e sonhar que me vens visitar mais o padrinho.
    Adoro-te
    J
    »

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