quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Histórias da Boca - As crónicas de um Nanas (Capítulo 1)

Capítulo 1

A carrinha de distribuição da DHL parou ruidosamente na frente do hangar das descargas do aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. O calor que se fazia sentir acentuava-se na camisa do uniforme do condutor da carrinha. O jovem com um molho de folhas numa das mãos saltou da carrinha limpando o suor da testa com o outro braço. Estava uma verdadeira tarde de Verão. Depois de entregar as guias da mercadoria e receber a autorização da descarga, o jovem abriu as duas portas traseiras da carrinha, e rapidamente descarregou os vários caixotes de cartão, todos do mesmo remetente: Mon Rêve. 
Mon Rêve é a criadora dos melhores Nanas de todo o mundo. Com sede em Paris, ela exporta Nanas há décadas para todo o lugar onde há pequeninos. (Um segredo: de Paris não vêm os bebés, mas sim os Nanas!)
Bem, para quem não sabe, os Nanas são os amigos inseparáveis dos mais pequenos. São aquelas criaturinhas que os acompanham para todos os lugares, que estão com eles quando comem, quando passeiam no parque, no primeiro dia do infantário, e principalmente quando dormem. Porque são os Nanas que contam as histórias mágicas que fazem os pequeninos adormecer e sonhar, depois que o papá e a mamã dão o último beijo de boa noite e fecham a porta do quarto!
Não são só as crianças que conhecem os Nanas, os papás também. Todos os papás do mundo sabem que os Nanas não podem ser trocados, dados, perdidos ou esquecidos em lugar nenhum, que é muito difícil separá-los, até na hora do banho, porque o Nanas é a âncora que prende os pequeninos ao seu mundo seguro.
O nome destas adoráveis criaturas à nascença é “Nanas”, mas são os pequeninos que lhes dão o seu verdadeiro nome. Existem os mais variados nomes: Piki, Bibi, Bilu, Gugu … e a lista continua tão grande quanto existem meninos no mundo. Há até aqueles que são baptizados com o próprio nome de nascença – Nanas!
A fábrica dos Nanas envia todos os dias para todo o mundo milhares de Nanas. Mas engana-se aquele que julgar que a quantidade altera-lhes a qualidade. Todos os Nanas são feitos à mão! Esta é uma verdadeira fábrica de sonhos! Imaginem só o tamanho dela! Cada um dos Nanas é criado com tanto cuidado que adquire um carácter único e especial. Cada Nanas é feito a pensar no menino ou menina que o vai receber, por isso, para que o Nanas nunca perca a identidade, ele traz o nome do menino gravado no lado esquerdo do braço de pêlo – o lado do coração.
Grande parte da encomenda “Mon Rêve” daquela tarde tão quente de Verão, tinha como destino um orfanato em África. Esta encomenda fazia parte das várias encomendas-prendas que a “Mon Rêve” enviava para locais onde os meninos não têm papás que lhes ofereçam um Nanas. E assim a “Mon Rêve” procurava alimentar os sonhos dos que mal podiam sonhar!
Este voo fazia escala em Lisboa, para onde ia também um Nanas muito especial. Este Nanas tinha sido especialmente criado e com urgência para um pequenino. O nome gravado no braço peludinho do Nanas era João. O motivo da urgência não era conhecido nem importava, o importante era chegar a tempo.
Na gigante “montanha russa” de tapete rolante da sala das bagagens do aeroporto Charles de Gaulle, mal se conseguia respirar! Toda a extensão do tapete estava lotada! Muitas pessoas estavam de férias, o que significava muitas e muitas malas! Eram encomendas e mais encomendas, bagagem e mais bagagem, todas a lutarem por um pouco mais de espaço inexistente! As caixas apertavam-se e acotovelavam-se para conseguir passar pelos vários túneis de separação e distribuição de bagagem. Uma verdadeira hora de aperto!
E como nas horas de aperto, por vezes o mais fraco cede!
Uma enorme caixa ficou presa no terminal de um dos tapetes rolantes, impedindo a passagem de toda a bagagem de porão que era composta por caixas e caixotes, malas e maletas desencadeando aquilo a que viria a ser digno de uma tragédia grega. A caixa, tal como a de Pandora que trouxe ao mundo toda a espécie de mal, continha não os ventos da desgraça mas os Nanas.
O tapete rolante era composto por vários segmentos. O último segmento de tapete parou, mas os outros continuaram a rolar, oferecendo à pobre caixa, que já vinha tão apertada pela quantidade de Nanas que viajavam dentro dela, a pressão de uma fila inteira de caixas e caixotes, malas e maletas que não podia terminar senão com o efeito “rolha numa garrafa de champanhe agitada com agrado”: um voo disparado para fora do tapete levando atrás de si outras caixas e caixotes, malas e maletas que também não aguentaram a pressão.
Não é muito difícil imaginar o que se seguiu: um amontoado de caixas danificadas e uma pilha de Nanas assustados e espalhados pelo chão. Por grande azar, uma das caixas que também se despedaçou continha algo precioso: o Nanas do João. Um Nanas que tinha nascido para o João – o menino que o esperava ansiosamente em Portugal.
Mas depois deste acidente, com o caos instalado, deixou de haver Nanas especiais: todos estavam agora na mesma condição – fora das caixas e assustados. Quando os funcionários se aperceberam do que tinha acontecido, correram para resolver rapidamente a situação porque o avião de transporte desta bagagem estava quase de partida. No desejo de resolver o quanto antes o estrago, e empacotar rapidamente todos os peluches, tal como eles de forma simplória os chamavam, o Nanas do João foi acidentalmente colocado na caixa dos Nanas comuns com destino aos meninos que nunca tinham tido um Nanas de verdade.
 A caixa dos Nanas foi grosseiramente reparada com fita-adesiva, e encaminhada para o avião tal como todas as malas, maletas e malinhas envolvidas no acidente.
Mas… ao retirarem a última e mais pesada mala do meio do chão, um funcionário viu um pequeno Nanas amassado e sujo que tinha ficado para trás!
Este Nanas tinha vindo na mesma caixa junto com os outros Nanas com destino ao orfanato.
­“- Ora, este ficou para trás!” – exclamou  o funcionário, que no mesmo instante viu uma pequena caixa desfeita junto dele.
No momento da queda a grande caixa de cartão da Mon Rêve rasgou-se soltando todos os Nanas, assim como também se rasgou a caixa do Nanas do João. E quando começaram a colocar as coisas no lugar, a confusão foi tanta em grande parte provocada pela pressa, que o Nanas comum (que são aqueles que não têm nome gravado no braço) acabou por ficar perto da caixa do Nanas especial.
O funcionário baixou-se e pegou no Nanas e na caixa. Sacudiu o pedaço de cartão espalmado e procurou o destinatário no qual se lia: “Pour le petit João”.
“ – Vinhas aqui dentro?” – perguntou o funcionário olhando para o Nanas sem esperar obter resposta. “Estás um pouco sujo e amassado para seres um presente! Mas se queres ir ao encontro do teu destino, tens de te despachar porque aquele ali (e apontou com a cabeça em direcção ao avião) não espera por ti!” Abanando a cabeça, esboçou meio sorriso e apressadamente fez a mesma reparação à caixa com fita-adesiva como tinha feito às anteriores, e correndo levou pessoalmente o pequeno embrulho à porta de embarque de passageiros porque a do porão já tinha sido encerrada!
Irremediavelmente a troca foi feita e os destinos dos nossos pequenos heróis lançado à sorte!

O que irá acontecer? Não percam o próximo capítulo!


3 comentários:

  1. Assim que me refizer, prometo escrever com maior detalhe o que me vai na alma depois de ler este delicioso começo ... ADOREI :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Agora mesmo tenho um pequeno João encostado a mim com a sua xuxa a fazer aqueles sons estranhos de sucção ineterrupta enquanto a mão esquerda abana o barrete do seu Nanas. Qual deles o mais ensonado ... no meio de tudo isto talvez seja mesmo eu :)
      Mal posso esperar por saber o que será feito dos nossos heróis com os destinos aparentemente trocados, ou será que na verdade era mesmo esse o destino de ambos? hummmm ... very tricky ;)

      Eliminar
  2. Nem sei por onde começar... So este começo merecia um verdadeiro comentario literario ! E um teixto surpriendente, o inicio não deixa adevinhar uma migalha do que segue. A maneira de escrever é magica, ecuanto lia vinha-me à mente as imagens. A personificação da caixa dos Nanas e das malas cria um mundo paralelo ao nosso, o dos objetos. Um mundo magico onde eles tambem teem vida (um poco como no Toys Story :D ). Tambem hà muito humor neste teixto, ri-me imenso com a pobre caixinha presa no tapete toda atrapalhada e cuase podia ouvir as malas bloqueadas atraz dela a resmungarlhe. Fiquei um poco triste com o Nanas que ficou sosinho, tadinho, imagino-o a tremer de frio e de medo frente ao funciunario. So uma pregunta: o que é a DHL ?
    Adorei este primeiro capitulo e espero com ansiadade o proximo, no cual tal vez encontraremos uma descrição mais detalhada dos Nanas ? Jà precebi que são pequeninos e peludinhos mas isso nao chega para fazer um ;)
    Beijinhos do norte de Franca ;)

    ResponderEliminar